Em entrevista ao programa da TV Cultura “Roda Viva”, na última segunda-feira 25 , a pré-candidata à presidência Manuela d’Ávila (PCdoB) foi interrompida 62 vezes pelos entrevistadores, enquanto Ciro Gomes (PDT) foi interrompido 8 vezes e Guilherme Boulos (Psol), 12.
A postura dos interlocutores de Manuela poderia passar como falta de educação ou um desrespeito banal, mas é uma modalidade de sexismo conhecida como manterrupting: quando uma mulher é impedida de concluir seu raciocínio e sua fala, e usada como instrumento de menosprezo e dominação.
A atitude da bancada do Roda Viva não passou incólume. Uma campanha online com cerca de 5 mil assinaturas pede que a emissora conceda espaço para que Manuela exponha, de fato, suas propostas, dessa vez sem ser interrompida de modo supérfluo.
Em entrevista a CartaCapital, Manuela já havia afirmado ter consciência de seu papel como única candidata mulher entre “os concorrentes do campo progressista em uma eleição que ocorre após um golpe misógino”, em referência ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A Secretaria Nacional de Mulheres do PT produziu um vídeo contabilizando as 62 interrupções ao longo da entrevista.
O vídeo foi uma das inúmeras manifestações de apoio de internautas, figuras públicas, jornalistas, e políticos, entre eles Ciro Gomes e Guilherme Boulos, além de Dilma Rousseff, que manifestou sua “integral solidariedade à deputada Manuela D’Ávila, alvo de ataques machistas e misóginos no Roda Viva“, e acrescentou que “convidada para falar sobre sua candidatura, Manuela foi hostilizada pelo âncora e pelos entrevistadores.”
Um deles era o Frederico D’Ávila, um dos coordenadores da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), e foi quem a candidata teve mais transtorno para expor seu ponto de vista.
O assessor de Bolsonaro questionou se Manuela era a favor da castração química para estupradores, e ouviu da deputada que “uma das maneiras de combater a cultura do estupro é não votar em candidato que defende que mulher deve ser estuprada”, fala feita em referência ao episódio em que Bolsonaro disse a deputada federal Maria do Rosário que ela “não seria estuprada porque não merecia.”
Outra provocação recorrente à fala de Manuela foram as tentativas de associá-la a regimes totalitários em função da candidata ser filiada ao Partido Comunista do Brasil.
Em resposta a ofensiva dos entrevistadores e ao apoio que recebeu após o programa, Manuela disse:
“O fato do Roda Viva, um programa de televisão com alcance, ter entrevistado daquele modo uma mulher pré-candidata à presidência fez com que muitas pessoas ficassem indignadas com o tratamento que recebi. Agradeço a solidariedade e os elogios por ter, em ambiente tão violentamente hostil, apresentado propostas consistentes e lutado o bom combate. É revoltante mesmo o que houve. Mas é assim todo dia com as mulheres, e não só na política: no trabalho, na universidade, em casa. Por isso não quero que pensem e tratem o que aconteceu como uma coisa excepcional. Até porque a palavra vem de exceção, né? É o que aconteceu é a regra é não a exceção! É assim que nós mulheres fazemos nossa luta e vivemos nossa vida todo dia.”
O que é manterrupting
A interrupção desnecessária enquanto uma mulher esta falando é tão comum que ganhou o nome de manterrupting. Esse é um recurso sexista usado para prejudicar o raciocínio e argumentos de mulheres, e assim inferiorizar suas falas. O manterrupting é considerado uma ferramenta de dominação.
É um tipo de violência experimentado com frequência pelas mulheres em ambientes de trabalho. Para não serem silenciadas, elas têm de entrar em conflito com os colegas, que como consequência são taxadas de agressivas.
Manterrupting vem da junção das palavras man (homem) e interrupting (e interrupção), significa “homens que interrompem”. O termo apareceu pela primeira vez artigo Speaking while Female (falando enquanto mulher), em 2015, no The New York Times, escrito por Sheryl Sandberg e Adam Grant.
Na análise dos autores, é citado um estudo feito por psicólogos de Yale que demonstrou como senadoras americanas se pronunciavam consideravelmente menos que seus colegas masculinos, inclusive os de posições inferiores.
(Carta Capital)