De Fernando Haddad para Camilo Santana

96


 


Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da educação por 8 anos, tornou-se signatário de 47 milhões de votos na eleição presidencial de 2018, o que correspondeu, naquele momento, a 44,87% do eleitorado brasileiro. Apesar do número ter sido insuficiente para garantir uma vitória eleitoral no segundo turno, não é também desprezável, já que garantiu ao seu partido o protagonismo político no campo das oposições.


Haddad é, portanto, o personagem central da transição do PT pós-poder, já que além da expressiva votação, também goza da confiança do maior líder político do partido, ao mesmo tempo que consegue dialogar com setores da sociedade que não estão dispostos a caminhar na esteira do “velho” petismo. Como jogador da transição, entretanto, o jurista e professor universitário derrotado nas urnas em 2018 traz vinculado a sua imagem e ao seu discurso, ao mesmo tempo, elementos do “PT que não é mais” e do novo “PT que quer ser, mais ainda não é”.


Dito de outra forma: o PT se constituiu historicamente como partido de esquerda e de massa a partir da figura carismática e combativa do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, da defesa de diretos e inclusão social e de um discurso ideológico que o ligou ao socialismo e, consequentemente, a vinculação com modelos internacionais: URSS e Cuba nos anos 80/90 e aos vizinhos Venezuela e Bolívia nos anos 2000. Esse conjunto de coisa garantiu o sucesso em quatro eleições presidências consecutivas, mas vem perdendo adesão social, o que é refletido nas derrotas sofridas desde 2016, o que demanda o surgimento de um novo PT, ainda que lenta e “conflitivamente”, já que, como diz o conhecido ensinamento de Heráclito, “tudo flui, nada é permanente”.


Pois bem, no programa Roda Viva dessa segunda-feira (06), Haddad fez especial referência a um outro personagem que ele parece acreditar ser um jogador importante, para o qual pode passar o bastão nessa maratona de reconstrução do partido: trata-se do governador do Ceará, Camilo Santana.


Camilo é um petista do século XXI, com uma formação política construída fora das dicotomias típicas das conturbadas décadas da segunda metade do século passado, das quais a cortina de ferro, o muro de Berlin e o antagonismo capitalismo x socialismo são os exemplos mais bem acabados. Ao lado desse fator, deve-se também considerar que o político cearense passou completamente ileso pelo cataclisma que atingiu o PT nos últimos 10 anos em razão de denuncias de corrupção e desvios éticos no trato da coisa pública. Outro ponto relevante: Camilo é um nome político dentro do campo de influência de Lula, sem se confundir com Lula. Torna-se, assim, uma aposta muito consistente de liderança que pode apresentar ao País um novo PT.


O último pré-requisito para isso seria a competência administrativa e política que se espera de um líder, o que parece ter sido o passo a frente dado por Fernando Haddad na sua participação no prestigiado programa da TV Cultura. Em pelo menos três momentos distintos o pupilo de Lula colocou na roda as ideias e/ou o nome do governador do Ceará:


Quando respondia questão relativa a militarização da política, Haddad trouxe a baila a tese defendida por Camilo Santana de uma reforma legal que impeça militares da ativa de participar da vida político-partidária do País;


Tratando de coronavírus e modelos ótimos de gestão de crise, falou expressamente de Camilo e do imbróglio que envolveu o aeroporto internacional do Ceará, usando como exemplo de eficiência a maneira como o governo do Estado atuou para minimizar os efeitos da recusa do governo federal em atender a solicitação de seu fechamento para garantir o controle da propagação da doença;


Referiu-se ao modelo e a gestão da educação na Terra da Liberdade, governada por Camilo Santana desde 2015, como um exemplo de eficiência e resultado concreto.


Haddad sabe que o seu partido precisa encontrar a justa medida entre defender o legado das lutas históricas e dos avanços sociais que promoveu quando foi governo, com a necessidade de acompanhar o movimento de mudança da sociedade e das expectativas dos novos sujeitos do século XXI em relação a política. Parece compreender que esse movimento de mudança pode até ser iniciado, mas não pode ser concluído pelos mesmos jogadores que dominaram o protagonismo no PT até agora.


Falando do centro do Roda Viva e olhando para o futuro, Haddad deixou a impressão de acreditar que a construção desse novo “PT que quer ser, mais ainda não é”, passa por Camilo Santana.


A roda, afinal, é viva – e gira!